Arquivo do dia: 5 de outubro de 2011

A Família e a Constituição Federal de 1988

Lívia Ronconi Costa[1]

Thiago Felipe Vargas Simões[2]

Desde o advento do Texto Constitucional de 1988 toda a estrutura jurídica brasileira vem passando por notável adaptação dos paradigmas anteriormente estabelecidos para uma nova realidade sociojurídica, difundida pela doutrina como constitucionalização das relações jurídicas e que há muito já havia sido estudado e aplicado em outros países.

Por certo que o Direito Civil, ramo anteriormente tratado como a máxime do Direito Privado e isento de influências do Direito Público, não ficaria de fora deste processo que teve seu marco inicial com a promulgação da atual Constituição da República.

Paulo Lôbo[3] nos conta que “a constitucionalização do direito civil, no Brasil, é um fenômeno doutrinário que tomou corpo principalmente a partir da última década do século XX, entre os juristas preocupados com a revitalização do direito civil e sua adequação aos valores que tinham sido consagrados na Constituição de 1988, como expressões das transformações sociais.”.

Toda a roupagem patrimonialista e fria que revestia as relações privadas no Brasil ganhou um caráter mais humano e com necessário desapego do ter para a valorização do ser. E foi no âmbito do Direito das Famílias que, sem dúvidas, tais transformações foram sentidas de formas bastante concretas.

A superação da constituição da família legítima unicamente pelos laços do casamento e a ampliação legislativa prevendo a união estável e a família monoparental como entidades familiares reconhecidas pelo Estado e passíveis, portanto, de tutela jurídica retrataram antigos anseios sociais que se faziam necessárias intervenções do Poder Judiciário para a produção de efeitos jurídicos de ordem pessoal e patrimonial a estas duas formas de família.

Tal fato teve como mola propulsora não apenas a necessidade de se regulamentar o que o cotidiano há tempos apresentava, mas sim princípios emanados da própria Carta Federal e que foram alçados à condição de imprescindíveis para a consagração do Estado Democrático de Direito em nosso país, a saber: a dignidade humana e solidariedade.

A partir desses dois princípios é que se pode afirmar que o núcleo familiar transmudou sua finalidade deixando de ser um ambiente de reprodução e manutenção de patrimônio para se transformar no local onde impera o afeto e a assistência entre seus integrantes, sendo estes elementos mais que motivadores para a proteção e promoção do ser humano independentemente da composição familiar em que este está inserido.

Dos dizeres de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[4] extrai-se que “a proteção ao núcleo tem como ponto de partida e de chegada a tutela da própria pessoa humana, sendo descabida (e inconstitucional!) toda e qualquer forma de violação da dignidade do homem, sob o pretexto de garantir proteção à família. Superam-se, em caráter definitivo, os lastimáveis argumentos históricos de que a tutela da lei se justificava pelo interesse da família, como se houvesse uma proteção para um núcleo familiar em si mesmo. O espaço da família, na ordem jurídica, se justifica como um núcleo privilegiado para o desenvolvimento da pessoa humana.”.

É, pois, dessa proteção ao núcleo privilegiado para o desenvolvimento do ser humano que a interpretação que se faz do artigo 226 da CF/88 é ampliativa, no sentido de considerar este dispositivo legal como rol meramente exemplificativo, isto é, todas as outras formas de composição familiar ainda que não mencionadas não estão isentas de proteção jurídica, vez que já está consagrado doutrinária e jurisprudencialmente a pluralidade das entidades familiares.

De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira[5], “é, portanto, da Constituição da República que se extrai o sustentáculo para a aplicabilidade do princípio da pluralidade de família, uma vez que, em seu preâmbulo, além de instituir o Estado Democrático de Direito, estabelece que deve ser assegurado o exercício dos direitos sociais e individuais, bem como a liberdade, o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos da sociedade. Sobretudo da garantia da liberdade e da igualdade, sustentadas pelo macroprincípio da dignidade, que é que se extrai a aceitação da família plural, que vai além daquelas previstas constitucionalmente e, principalmente, diante da falta de previsão legal.”.

Nessa constituição de novos núcleos familiares e diante da necessidade de serem conferidos direitos a essas realidades, que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento conjunto da ADI n.º 4227 e da ADPF n.º 132, reconheceu que as uniões entre pessoas do mesmo sexo (uniões homoafetivas) que preencherem os requisitos exigidos pelo Código Civil (artigo 1.723) para a constituição de união estável serão assim consideradas, uma vez que, pelos dizeres do Ministro relator Ayres Britto, o sexo das pessoas não pode ser motivo para desigualdade jurídica.

Agora, só nos resta esperar para que novas realidades sociais venham a pleitear no Poder Judiciário o seu reconhecimento jurídico, vez que a Carta Federal se mantém silente e (porque não dizer) atrasada em relação às mudanças sociais.

Referências bibliográficas:

Farias, Cristiano Chaves de; Rosenvald, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

Lôbo, Paulo. A constitucionalização do direito civil in Direito civil contemporâneo. Organizador Gustavo Tepedino. São Paulo: Editora Atlas, 2008.

Pereira, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.


[1] Bacharel em Direito pela UVV/ES – Centro Universitário Vila Velha. Membro do IBDFAM.

[2] Advogado no ES. Mestre e Doutorandoem Direito Civil pela PUC/SP. Professor de Direito Civil da Univix – Vitória (ES). Professor do Curso de Pós-Graduaçãoem Direito Civil da FDV – Vitória (ES). Professor do Curso de Pós-Graduaçãoem Direito Civil do JusPODIVM – Salvador (BA). Professor de Cursos de Pós-Graduação em Direito Civil (Famílias e Sucessões) em Natal/RN e Aracajú/SE. Membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Diretor do Conselho Científico da Diretoria do IBDFAM/ES. Autor de obras e artigos jurídicos.

[3] Cf. A constitucionalização do direito civil brasileiro, p. 18.

[4] Cf. Direito das famílias, p. 10.

[5] Cf. Princípios fundamentais norteadores do direito de família, p. 167.

Fonte: IBDFAM

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EUA tiram palavras “pai” e “mãe” de passaporte por respeito a gays

O Departamento do Estado do país informou que as mudanças foram feitas para reconhecer os diferentes tipos de família. Os grupos de direitos dos homossexuais aplaudiram a decisão

As palavras “mãe” e “pai” serão removidas do passaporte norte-americano e substituídas por “filiação 1” e “filiação 2”.

De acordo com o Departamento do Estado dos EUA, as mudanças foram feitas para reconhecer os diferentes tipos de família. Grupos de direitos dos gays aplaudiram a decisão.

“Mudar os termos ‘mãe’ e ‘pai’ para ‘filiação’ permite que muitos tipos de famílias sejam capazes de requerer um passaporte para seus filhos sem sentirem que o governo não reconhece a sua família”, afirmou a Fox News Jennifer Chrisler, diretora executiva do Conselho da Igualdade Familiar, um grupo norte-americano que defende o direito das famílias do grupo GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros). O conselho vem tentando há anos essa mudança no passaporte.

Mas alguns conservadores cristãos foram contra a decisão. Robert Jeffress, um pastor de uma igreja batista de Dallas afirmou que a alteração sugere que “não é preciso pai e mãe para criar uma criança com sucesso”. “Essa decisão faz com que os casais homossexuais se sintam mais confortáveis ao criar uma criança”, disse ele.

Em contrapartida, Jennifer afirmou que o governo precisa reconhecer que as estruturas familiares estão mudando. “A melhor coisa que podemos fazer é dar suporte às pessoas que estão criando filhos com amor, com famílias estáveis”, disse ela.

Recentemente, na Austrália, outros direitos foram reconhecidos no passaporte. Os australianos ganharam uma terceira opção de gênero, a categoria “x”. Essa é uma das medidas adotadas pelo governo contra a discriminação de transgêneros. Os passaportes americanos ainda não têm essa opção, mas os transgêneros já podem optar pelo sexo que mais se identificam.

Reportagem vista no blog Homorrealidade.
Fonte: Época

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Pai briga na Justiça para ter de volta filha doada em maternidade em MG

Um pai briga na Justiça para ter de volta a filha retirada da família na maternidade em Poços de Caldas, no Sul de Minas. Segundo o marido, a mulher dele teria assinado um documento após o parto autorizando a doação do bebê, mas ele alega que a mulher estava sofrendo de depressão pós-parto. Nesta terça-feira (4), o pai procurou a Defensoria Pública para obter ajuda no caso.

“A minha mulher estava depressiva, e aí eles me informaram que ela tinha assinado um documento doando a criança sem minha ordem. Eu cheguei lá e falei, eu não vou doar a criança, eu não dei essa ordem”, reclama o garçom José Carlos Ferreira. “Em momento algum eu assinei documento nenhum, em momento nenhum eu autorizei. Eu quero minha filha de volta”, completou o pai. A mãe da criança não quis comentar o ocorrido.

De acordo com Ferreira, três dias depois do nascimento, a criança foi levada para a casa da avó paterna. Mas, após o final de semana, a Justiça tirou a recém-nascida da guarda da família.

A promotoria da Vara da Infância e da Juventude informou que um processo foi aberto para apurar o caso. Um inquérito policial vai apontar se houve ou não irregularidades na retirada do bebê da guarda dos pais. Por enquanto, a Justiça ainda não autorizou que a criança volte para casa da família, e por isso, o casal procurou a Defensoria Pública.

“Tô tentando fazer valer o desejo dela [mãe do bebê] de permanecer com a criança. Foi uma precipitação, porque eu acho que teria que ter ouvido o pai e também acho forte retirar a criança de casa, onde já estava estabilizada”, explicou o defensor público Juarez da Silva Salles.

Ainda de acordo com o serviço social do fórum da cidade, quando a mãe demonstra interesse em entregar uma criança, ela assina um documento ainda no hospital, que é encaminhado para a Vara da Infância e da Juventude. Depois disso, a mãe precisa ir até o fórum para confirmar essa doação.

No caso do bebê, o fórum garante que esse procedimento foi feito e, por isso, a criança foi retirada da família. O processo corre em segredo de justiça e não foi informado onde está a menina. Como é importante a assinatura do pai para que seja feita a adoção, a criança vai ficar provisoriamente na casa de uma outra família, ou em um abrigo, até que a situação seja resolvida. Mas, nesta quarta-feira (5), ela não está na lista para ser adotada.

Fonte: G1

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