Arquivo do dia: 11 de outubro de 2011

“Inadotável” portadora de HIV sonha em ter pai e mãe

Aos dez anos e com HIV, menina está fora da fila de adoção.
Especialistas dizem que país tem 32 mil que não podem ser adotadas.

Ela tem dez anos, não conhece os pais, é portadora do HIV e mora em um abrigo no Paraná. Mesmo contra todas as adversidades, a menina V. sonha com um presente ao qual tem direito. “Queria uma mãe e um pai de verdade (…) todos os dias”, conta. A garota é uma das cerca de 32 mil crianças consideradas “inadotáveis” no país. A lei assegura a todas a possibilidade de serem adotadas até os 18 anos desde que tenham sido juridicamente desligadas dos pais biológicos, mas a burocracia impede o exercício desse direito, segundo análise de especialistas.

“Como a destituição [processo que desliga legalmente a criança da família biológica] demora, apenas 5 mil das 37 mil crianças que estão em abrigos do país podem ser adotadas. Hoje, existem 26 mil famílias interessadas em adotar“, afirma Ariel de Castro Alves, presidente da Fundação Criança e vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da OAB.

Contra o sonho de uma nova família, pesa ainda a expectativa dos futuros pais. Condições impostas por eles eliminam grande parte das cinco mil crianças listadas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). A lista do CNA inclui as crianças que venceram a burocracia e as exigências legais e precisarão de sorte para se  encaixar na projeção dos casais candidatos: meninas brancas, com menos de três anos, sem irmãos, deficiências ou HIV.

“As crianças [sob custódia do Estado] são mais meninos, negros e pardos”, explica Alves. Em Curitiba, até 10 de outubro 41 das 73 crianças no CNA eram brancas. Mas, do total, 38 eram meninos e só três tinham menos de cinco anos.

Na Associação Paranaense Alegria de Viver (Apav), em Curitiba, 18 crianças portadoras do vírus HIV estão fora da fila de adoção, segundo o fundador Newton Nascimento Teixeira. A menina V. é soropositivo e mora na Apav desde bebê e nunca teve o nome no CNA por não ter obtido a destituição do poder familiar concluída.

A menina conta que o presente que sempre quis ganhar no Dia das Crianças é uma casa e uma família. “Eu vou sentir saudades dos meus amigos daqui, mas queria que alguém me adotasse. Eu tenho uma madrinha que passa aqui de vez em quando e me leva para a casa dela para dormir. Eu gosto, mas queria uma mãe e um pai de verdade”, conta a menina.

A fundadora do Movimento Nacional das Crianças Inadotáveis (Monaci), Aristeia Moraes Rau, lembra que, entre os “inadotáveis”, há ainda o dilema dos que atingem a maioridade nos abrigos e ficam de fora do processo.

Já na Apav, “além das crianças, nós temos jovens entre 18 e 20 anos que viveram toda a infância na instituição e não tiveram a chance de encontrar novas famílias. O problema desse isolamento não é nem a falta de famílias interessadas e o preconceito. A grande barreira é a demora e a burocracia apresentadas pelo Estado e pela Justiça. Tanto que alguns já completaram a maioridade e já perderam até a esperança de encontrar um novo lar. Mesmo assim, nosso objetivo é inseri-los na fila de adoção e conseguir uma família para cada um”, disse Teixeira.

O jovem Marcos tem 18 anos, vive no abrigo desde os oito e também é soropositivo. “Antes de chegar aqui eu era maltratado em casa e, quando meus pais morreram, a família me trouxe pra cá. Quando eu era mais novo, tinha o sonho de conseguir ser adotado. Hoje não tenho mais esperanças de encontrar uma família, porque acho que será difícil me adaptar, a não ser que seja com uma família que eu já conheça. Meu objetivo agora é continuar meus estudos, fazer medicina e constituir minha família junto com meu irmão, que também mora aqui”, explica o jovem.

“Não entendo por que a burocracia para conseguir a liberação de uma adoção pra uma criança com HIV é tão difícil. Acho que, nesse caso, como as crianças precisam de tratamento, deveriam ter prioridade na fila de adoção. Afinal, além dos medicamentos, elas precisam do apoio e carinho de uma família”, finaliza Teixeira, fundador da Apav.

Segurança
A advogada Izabela Rucker Curi, especialista na área, faz críticas aos excessos da burocracia, mas defende que não se abra mão da segurança jurídica em troca da agilidade na adoção. Segundo ela,  a quebra do poder de família (quando já se esgotaram as possiblidades de a criança voltar para a família original) é mesmo uma das partes mais complicadas do processo.

“Para que essa criança vá para uma nova, os vínculos legais com a família antiga têm de ser rompidos. Isso exige muita gente, muita observação, muito estudo jurídico e muitos papéis para documentação. Quando essa etapa fica pronta, quase não há mais tempo, dentro do prazo de dois anos, para que a criança possa conhecer uma nova família”, afirma.

“Nossa legislação acerta quando dá valor à prevenção ao rompimento de laços familiares. Importante lembrar que ainda existem no Brasil casos de adoção de menores com a exclusiva intenção de alimentar o tráfico de órgãos, por falta de controle rígido e efetivo nos procedimentos de adoção”, afirma a advogada Izabela Rucker Curi.

Fonte: G1

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Partilha extrajudicial deve ser respeitada

A Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, por unanimidade, negou provimento ao Recurso de Apelação Cível (102167/2010) ingressado por uma mulher em desfavor do ex-companheiro. Ela recorreu da decisão de Primeiro Grau que julgou procedente a Ação Declaratória de Nulidade de Venda de Imóvel com Pedido de Reintegração de Posse (nº 354/2007) impetrada pelo ex-marido após negociação feita pela ex-companheira de um imóvel que ficou como propriedade do ex-marido, sem o consentimento dele.

A defesa da ex-mulher diz que no que concerne à dissolução de união estável, aplica-se quanto aos bens à regra geral, ou seja, aqueles adquiridos na sua constância deverão ser partilhados na proporção de 50% para cada parte, não podendo ser lesada em seu direito.

O ex-marido afirma que conviveu por 14 anos em união estável com a ex-companheira e com a separação do casal houve a partilha extrajudicial amigável dos bens. Sendo que a casa, situada no Loteamento São Sebastião II, ficou com o ex-companheira e o salão, localizado no bairro Nova Era, com ele. Assevera que a ex-mulher tenta desvirtuar as declarações das testemunhas sobre a partilha pelo fato “da sentença ser desfavorável a ela, buscando enriquecimento sem causa”. Acrescenta que em nenhum momento a ex-companheira se refere ao Loteamento no Bairro São Sebastião II, que ficou para ela com a separação. Alega ainda má fé da ex-mulher.

A relatora do processo, desembargadora Maria Helena Gargaglione Povoas, destaca que nos autos consta que em 1992, durante a união estável, o então marido firmou contrato de compra e venda do imóvel localizado na Rua 11, Lote 24, quadra 08, no Loteamento Nova Era, pagando o preço integralmente, a vendedora comprometeu-se a fazer a outorga da escritura definitiva. “Após dissolução da união estável a Apelante conseguiu que a vendedora do imóvel fizesse a outorga da escritura definitiva para seu nome desrespeitando a partilha amigável dos bens anteriormente levada a efeito entre as partes através da qual uma casa situada no Loteamento São Sebastião II ficou para a Apelante e o Salão localizado no Bairro Nova Era, objeto da controvérsia para o Apelado”, cita.

Duas testemunhas confirmam a partilha amigável extrajudicial sustentada pelo ex-companheiro, mas a ex-mulher nega a existência dessa partilha. “Aduzindo que inexistem provas de que tenha ocorrido de forma que é válida a escrituração do imóvel em seu nome”, afirma a relatora. “Restando comprovado pelo conjunto probatório que quando da separação dos conviventes foram partilhados os dois imóveis amealhados durante a união, deve ser reconhecida a nulidade da escritura pública que outorga a propriedade do imóvel à parte a quem não tocou o imóvel quando da realização da partilha sob pena de enriquecimento sem causa. Diante desse quadro, tenho que não há como acolher a pretensão da Apelante, mantendo-se os termos da sentença recorrida que não merecem reformas”, concluiu.

A câmara julgadora, composta ainda desembargadora Clarice Claudino da Silva (Revisora) e desembargador Guiomar Teodoro Borges (Vogal convocado), julgou improcedente a reconvenção, condenando a ex-mulher ao pagamento das custas, despesas processuais fixados em 10% do valor da causa.

Fonte: Tribunal de Justiça do Mato Grosso

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Ritual de divórcio ganha popularidade no Japão

Uma empresa do Japão que oferece aos seus clientes a possibilidade de realizar um ritual de divórcio revelou que, desde o terremoto e o tsunami que atingiram o país em março, houve um aumento na procura por seus serviços.

Para muitos, a tragédia levou a mudanças de prioridades e a um recomeço.

A cerimônia, que custa o equivalente a cerca de mil reais, é marcado pela destruição de uma aliança, cujos restos são colocados na boca da estátua de um sapo – na cultura japonesa, o animal simboliza um retorno.

A empresa que oferece o ritual de divórcio foi fundada há dois anos e diz já ter celebrado mais de 80 desuniões.

Fonte: BBC Brasil

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Ação anulatória de Registro de Nascimento. Anseio do pai genético em ver revista a qualificação paterna no Registro da Criança

Tribunal Julgador: TJMG

Número do processo: 1.0624.06.010781-7/001(1)

Númeração Única: 0107817-53.2006.8.13.0624

Relator:  Des.(a) VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE

Relator do Acórdão:  Des.(a) VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE

Data do Julgamento:  30/08/2011

Data da Publicação:  23/09/2011

Inteiro Teor:    

EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO DE NASCIMENTO – ANSEIO DO PAI GENÉTICO EM VER REVISTA A QUALIFICAÇÃO PATERNA NO REGISTRO DA CRIANÇA – ESTUDO SOCIAL – DEMONSTRAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO PATERNO-FILIAL ENTRE O PAI SÓCIO-AFETIVO E A CRIANÇA – PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DA MENOR – PROVIMENTO NEGADO. A filiação sócio-afetiva é aquela em que se desenvolvem durante o tempo do convívio, laços de afeição e identidade pessoal, familiares e morais. À luz do princípio da dignidade humana, bem como do direito fundamental da criança e do adolescente à convivência familiar, traduz-se ser mais relevante a idéia de paternidade responsável, afetiva e solidária, do que a ligação exclusivamente sanguínea. O interesse da criança deve estar em primeiro lugar, uma vez que é inegável que em casos de convivência habitual e duradoura com pessoas estranhas ao parentesco, o menor adquire vínculos de confiança, amor e afetividade em relação a estas pessoas. Esse vínculo não pode ser destruído por terceiro, mesmo que com base em laços sanguineos, se afronta os interesses da criança, colocando-a em situação de instabilidade e insegurança jurídica e emocional.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0624.06.010781-7/001 – COMARCA DE SÃO JOÃO DA PONTE – APELANTE(S): W.C.S.S. – APELADO(A)(S): I.L.P. E OUTRO(A)(S) – RELATORA: EXMª. SRª. DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE

ACÓRDÃO

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador EDUARDO ANDRADE , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Belo Horizonte, 30 de agosto de 2011.

DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE – Relatora

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

A SRª. DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE:

VOTO

Trata-se de recurso de apelação proposto à f. 79/83 por W. C. S. S, nos autos da ação Anulatória de Registro de Nascimento movida em face de I. L. P, M. C. P e M. H. C. P, no intuito de reformar a sentença de f. 75/77, que julgou improcedente o pedido inicial, nos termos do art. 269, I do CPC, ressaltando que deve-se privilegiar a paternidade afetiva sobre a biológica, uma vez que a menor não tem qualquer contato com o requerente e que ela está completamente adaptada ao meio em que vive.

Nas suas razões recursais, o apelante alega que o requerido agiu de forma ilegal e imoral ao registrar a criança mesmo sabendo que ela era filha do recorrente, fato comprovado pelo exame de DNA juntado nos autos. Assevera que a parte apelada teria sido incoerente no decorrer do processo, tentado por vezes ludibriar a Justiça, uma vez que restou demonstrado que o requerido tinha consciência de que a menor não era sua filha biológica desde o princípio da gestação. Afirma que em decorrência disso, deve o registro da criança ser anulado, por ter se caracterizado um vício insanável. Salienta por fim que houve falsidade no registro da criança, não estando ela apta a produzir qualquer efeito jurídico. Neste viés, requer seja dado provimento ao seu recurso, para reformar a sentença e anular o assentamento da menor.

Em contrarrazões à f. 86/89, alegam os apelados, em síntese, não prosperar as razões do apelante. Afirmam que a criança tem como seu pai o requerido, sendo notável o fato de que o vínculo biológico está cedendo lugar ao sócio-afetivo, pelo que deve ser mantida a r. sentença “a quo”.

Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.

Inexistindo preliminares, passo ao exame do mérito.

O novo ordenamento jurídico estabeleceu como fundamental o direito à convivência familiar. Faz-se necessário reconhecer que a Constituição Federal legitimou o afeto, emprestando-lhe efeitos jurídicos. A partir daí, o afeto passou a merecer a tutela jurídica tanto nas relações interpessoais como também nos vínculos de filiação. A partir da Constituição de 1988, linhas fundamentais foram regulamentadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e projetaram-se no Código Civil de 2002, dando prevalência à paternidade afetiva e aos interesses primordiais da criança.

Instalada tal situação, em que há conflito entre os interesses do pai registral e afetivo e os do pai biológico, não se pode admitir, em regra, que o pai ou a mãe biológica venha requerer a anulação do registro em que consta outro pai, afrontando o interesse do menor e os princípios da razoabilidade e da segurança jurídica.

O art. 1.603 do Código Civil diz que a filiação se prova pela certidão do termo de nascimento (registro civil), podendo ser de filiação biológica ou não. Bastando apenas a declaração de vontade, sem qualquer demonstração de prova biológica.

A mesma lei infraconstitucional determina ainda, em seu art. 1.593, que:

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, nos seguintes artigos, disciplina com intensidade os interesses do menor:

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

A Constituição Federal de 1988 assegura os direitos da criança e do adolescente e ainda ressalta a importância da família por meio dos arts. 227 e 229:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 6º – Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Pode-se considerar a filiação sócio-afetiva como aquela em que se desenvolvem durante o tempo do convívio, laços de afeição e identidade pessoal, familiares e morais, envolvendo a constituição de valores e da singularidade da pessoa.

Esta paternidade é aquela que se sobrepõe aos laços sanguíneos decorrentes das alterações familiares da atualidade: desconstituição das famílias, pai que não assume a paternidade, adoção, entre outros. Na verdade, é aquela em que o pai não biológico passa a tratar a criança, no âmbito de uma família, como filha, criando-a e sendo responsável pela mesma.

Nesse sentido colho definição de Maria Berenice Dias:

“A filiação pode resultar da posse do estado de filho e constitui modalidade de parentesco civil de ‘outra origem’, isto é, de origem afetiva (CC 1.593). A filiação socioafetiva de manter a estabilidade da família, que cumpre a sua função social, faz com que se atribua um papel secundário à verdade biológica. Revela a Constancia social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe não pelo simples fato biológico ou por força de presunção lega, mas em decorrência de uma convivência afetiva.[…] certamente há um viés ético na consagração da paternidade socioafetiva. Constituído o vinculo da parentalidade, mesmo quando desligado da verdade biológica, prestigia-se a situação que preserva o elo da afetividade. Não é outro o fundamento que veda a desconstituição do registro de nascimento feito de forma espontânea por aquele que, mesmo sabendo ser o pai consangüíneo, tem o filho como seu.” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4.ed., rev.,atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007.)

Em escrito publicado na Revista Brasileira de Direito de Família, encontra-se distinção entre genitor e pai:

“Pai é o que cria. Genitor é o que gera. Esses conceitos estiveram reunidos, enquanto houve primazia da função biológica da família. Afinal, qual a diferença razoável que deva haver, para fins de atribuição de paternidade, entre o homem dador de esperma, para inseminação heteróloga, e o homem que mantém uma relação sexual ocasional e voluntária com uma mulher, da qual resulta concepção? Tanto em uma como em outra situação, não houve intenção de constituir família. Ao genitor devem ser atribuídas responsabilidades de caráter econômico, para que o ônus de assistência material ao menor seja compartilhado com a genitora(…). Pai é aquele que cuida, educa, ensina, orienta, dá amor e carinho, brinca, leva à escola, etc.(…) A paternidade é múnus, direito-dever, construída na relação afetiva e que assume os deveres de realização dos direitos fundamentais da pessoa em formação à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar” (art. 227 CF). É pai quem assumiu esses deveres, ainda que não seja o genitor.” (REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO DE FAMÍLIA nº 01 – O exame de DNA e o princípio da dignidade da pessoa humana, p. 72).

Nota-se que a Constituição Federal de 1988 adota conceito aberto de paternidade, não permite a confusão entre genitor e pai, ou a primazia da paternidade biológica. Pelo contrário, à luz do princípio da dignidade humana, bem como do direito fundamental da criança e do adolescente à convivência familiar, traduz-se ser mais relevante a idéia de paternidade responsável, afetiva e solidária, do que a ligação exclusivamente sanguínea.

Neste mesmo sentido o STJ já decidiu:

RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE – INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO SANGÜÍNEA ENTRE AS PARTES – IRRELEVÂNCIA DIANTE DO VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO. (…) O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo sócio-afetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação sócio-afetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil. O STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconhecimento da filiação naquelas circunstâncias em que há dissenso familiar, onde a relação sócio-afetiva desapareceu ou nunca existiu. Não se pode impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai sócio-afetivo. A contrario sensu, se o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica. Recurso conhecido e provido. (STJ – REsp 878941-DF – 3ª Turma – Relª. Minª Nancy Andrighi – Publ. em 17-9-2007)

Há também vasta jurisprudência deste Egrégio Tribunal:

Apelação cível. Ação declaratória. Maternidade socioafetiva. Prevalência sobre a biológica. Reconhecimento. Recurso não provido. 1. O art. 1.593 do Código Civil de 2002 dispõe que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. Assim, há reconhecimento legal de outras espécies de parentesco civil, além da adoção, tais como a paternidade socioafetiva. 2. A parentalidade socioafetiva envolve os aspecto sentimental criado entre parentes não biológicos, pelo ato de convivência, de vontade e de amor e prepondera em relação à biológica. 3. Comprovado o vínculo afetivo durante mais de trinta anos entre a tia já falecida e os sobrinhos órfãos, a maternidade socioafetiva deve ser reconhecida. 4. Apelação conhecida e não provida, mantida a sentença que acolheu a pretensão inicial. (Apelação: 1.0024.07.803827-0/001(1), Relator: Des. (a) CAETANO LEVI LOPES)

AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C PEDIDO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO – RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO ATO IRRETRATÁVEL – RELAÇÃO SOCIOAFETIVA COMPROVADA. SENTENÇA MANTIDA. – A anulação de registro civil de nascimento somente é possível se demonstrada alguma das hipóteses previstas no art. 171 do Código Civil de 2002. – A Lei não autoriza a postulação de declaração de estado ao contrário do que se verifica do registro de nascimento, salvo ocorrendo erro ou falsidade do registro. – Comprovada a socioafetividade entre pai e filho, não é possível a anulação do registro civil, tampouco a desconstituição de paternidade. (Apelação: 1.0024.05.872059-0/001(1), Relator: Des. (a) SILAS VIEIRA)

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – EXAME DE DNA – PATERNIDADE SÓCIO AFETIVA. – Apesar do resultado negativo do exame de DNA, deve ser mantido o assento de paternidade no registro de nascimento, tendo em vista o caráter sócio afetivo da relação que perdurou por aproximadamente vinte anos, como se pai e filha fossem. (Apelação: 1.0105.02.060668-4/001(1), Relator: Des. (a) TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO)

No mesmo sentido já foi decidido nesta primeira câmara:

APELAÇÃO CÍVEL – BUSCA E APREENSÃO DE MENOR – PRETENSÃO DE RESTITUIÇÃO DE MENOR AO PROGENITOR GENÉTICO – ESTUDO PSICOSSOCIAL – RECOMENDAÇÃO DE PERMANÊNCIA DO INFANTE NO AMBIENTE SÓCIO-FAMILIAR EM QUE ESTÁ INSERIDO DESDE TENRA IDADE – VÍNCULO AFETIVO CONSOLIDADO – INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS QUE AUTORIZEM A CONCLUSÃO ACERCA DA CONVENIÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO ESTABELECIDA – PROVIMENTO NEGADO. Tratando-se de ação relativa à guarda de menores, o interesse e bem-estar destes devem nortear a tomada de qualquer decisão judicial. Se os elementos de convicção contidos nos autos demonstram que a criança está inserida no ambiente sócio-familiar em que vive, reconhecendo no atual guardião, ex-compaheiro da falecida genitora referências de afeto e autoridade, não há razões para alteração da situação, mormente se o estudo psicossocial elaborado por ‘experts’ apresenta conclusões nesse sentido. (Apelação: 1.0313.06.197097-3/001(1), Relator: Des. (a) ARMANDO FREIRE)

Importante frisar o Relatório do Estudo Social de fls. 59/63. Restou claramente demonstrado que há entre a criança e o requerido uma relação afetiva íntima e duradoura, caracterizada pela consideração frente a terceiros como se filha fosse.

É o que se constata:

“Observamos que os vínculos de efetividade e afetividade familiar estão fortalecidos desde o nascimento da M., com os membros do grupo familiar (que serão citados) bem como com os avós paternos (pais do I.). Tanto no dia da visita como no dia da entrevista , observamos que a menina é inteligente, educada, atenciosa, conversou conosco naturalmente.”

“No dia da entrevista percebemos que ela ficava sempre próxima ao requerido, apresenta-se bem tratada, bem arrumada, limpa, alimentada, fala que sabe sua história de vida, ou seja, sabe que seu pai é W. referindo-se a ele pelo nome de C., mas afirma que não quer conviver com ele e com sua família, porque para ela, pai é o I., reconhece como parente apenas os familiares que convivem com ela desde o nascimento (a infância), ou seja, os familiares do I., refere-se a esses por vovó e vovô e seus irmãos, chama-os pelos nomes.”

“Observamos que o requerido ao registrar a criança exteriorizou publicamente a consideração pela M. como filha. Percebemos que ele é pai da criança e zela pela criação, educação, ensinamentos, direciona e oferece suporte afetivo, além do material, há ainda, o tratamento mútuo de amor e respeito entre os familiares.”

“Salientamos que o relacionamento do pai com a criança já se efetivou, consolidou-se para sempre.”

No caso em tela, restou claramente demonstrado ser evidente a existência de uma relação paterno-filial entre o requerido e a criança, em que há o chamamento de filha e a aceitação do chamamento de pai, não sendo possível proceder a anulação do registro de nascimento da menor.

Não é demais lembrar que o interesse da criança deve estar em primeiro lugar, uma vez que, é inegável que em casos de convivência habitual e duradoura com pessoas estranhas ao parentesco, o menor geralmente adquire vínculos de confiança, amor e afetividade em relação a estas pessoas.

Vale salientar, entretanto, que apesar de não ser possível anular o registro de nascimento da criança neste momento, em função da paternidade sócio-afetiva, trata-se de direito imprescritível (ECA, art. 27) de a menor buscar o reconhecimento do pai biológico. A só existência do registro não pode limitar o exercício do direito de buscar, a qualquer tempo, o reconhecimento da paternidade. Assim, conhecendo o pai biológico e estando registrada como filha de outra pessoa, a criança não está inibida de intentar ação para alterar o seu registro futuramente, reconhecendo-se a sua ascendência.

Determina o Código Civil de 2002:

Art. 1606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.

Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.

Confira-se jurisprudência do STJ:

“Não se extingue o direito de o filho investigar a paternidade e pleitear a alteração do registro, mesmo quando vencido integralmente, depois da maioridade, o prazo de quatro anos. Precedentes da Segunda Seção. Recurso não conhecido.” (Resp 208.788-SP, DJ 22/4/2003)

Assim, caso o menor, quando alcançar a maioridade assim o queira, poderá perseguir a sua real identificação, que não se confunde com a identidade, que é subjetiva.

Com tais considerações, nego provimento ao recurso mantendo na totalidade a decisão de primeiro grau.

Custas recursais pelo recorrente, verbas que permanecem em suspenso em razão do deferimento da gratuidade judiciária.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ARMANDO FREIRE e ALBERTO VILAS BOAS.

SÚMULA :      NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

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Padrastos reconhecem paternidade dos filhos de suas parceiras

Processos relativos à paternidade socioafetiva serão julgados em audiência na tarde desta terça-feira (11).

A juíza Ana Florinda Dantas, da 22ª Vara Cível da Capital, foi designada pela Presidência do TJ/AL para atuar, nesta terça-feira (11), em processos que promovem o reconhecimento da paternidade socioafetiva e permitem que padrastos reconheçam os filhos de suas parcerias.

      Promovidas pelo Núcleo de Promoção à Filiação (NPF), as audiências começam às 14h desta terça-feira, no o salão do júri do Fórum da Capital, no Barro Duro. De acordo com Ana Florinda, que também atua como coordenadora do Núcleo, a iniciativa é uma homenagem da Justiça estadual ao dia das crianças.

      “Toda criança necessita de uma família acolhedora, equilibrada. O Poder Judiciário cumpre com sua missão quando torna isso possível”, destaca a magistrada. A portaria de designação da magistrada está publicada no Diário da Justiça Eletrônico desta segunda-feira (10).

     O que faz o Núcleo de Promoção à Filiação (NPF)?

      Garantir às crianças que vivem em famílias informais, apenas registradas pela mãe, a filiação paterna. Esse é o objetivo do Núcleo de Promoção da Filiação (NPF), projeto lançado pelo TJ/AL, que iniciou suas atividades em abril de 2009, a fim de centralizar as averiguações de paternidade encaminhadas pelos oficiais do registro civil.

      O NPF conta com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que colabora com treinamento do pessoal e na cooperação técnica; centros acadêmicos para o desenvolvimento de ações; além de outras iniciativas do Judiciário alagoano como os projetos Justiça Itinerante e Registro na Maternidade.

      Em pouco mais de dois anos, o NPF promoveu diversas ações de reconhecimento de paternidade em escolas da Capital e do interior, além da realização de exames de DNA gratuitos. Essas inciativas renderam menção honrosa no prêmio Innovare em reconhecimento às boas práticas realizadas pelo Judiciário alagoano.

Fonte: TJAL

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