Arquivo do dia: 15 de outubro de 2011

Apelação Cível. Ação de desconstituição de casamento. Casamento putativo. Exoneração de alimentos

Tribunal Julgador: TJRS

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESCONTITUIÇÃO DE CASAMENTO. CASAMENTO PUTATIVO. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS.

Embora desquitada, estando a apelada casada com outra pessoa quando contraiu matrimônio com o apelante, havia nulidade absoluta deste casamento em razão de infringência de impedimento constante do artigo 183, inciso III, do Código Civil de 1916, que veda o casamento entre pessoas casadas, reproduzido no artigo 1.521, inciso VI, do atual Código Civil.

Declarada a nulidade do casamento, mas constatada a boa-fé da ré que acreditava que o primeiro marido estava morto quando do segundo casamento, e constatado que o autor tinha ciência que o casamento anterior não estivesse desfeito, configura-se o casamento putativo e a conseqüente produção de efeitos até a sentença que declara sua nulidade, entre os quais o dever de prestar alimentos.

Ainda que reconhecida a nulidade do casamento entre o apelante e a apelada, se viveram vários anos como marido e mulher, separaram-se judicialmente e divorciaram-se, está presente o dever de mútua assistência em decorrência da indiscutível relação matrimonial havida entre as partes.

Descabe a exoneração dos alimentos acordados entre os litigantes em sede de separação judicial, não vislumbrada a alteração do binômio necessidade/possibilidade de forma a justificar a extinção do encargo.

APELAÇÃO DESPROVIDA.

APELAÇÃO CÍVEL: SÉTIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70042905992: COMARCA DE PORTO ALEGRE

M.A.P.M.: APELANTE

A.C.S.: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. JORGE LUÍS DALL”AGNOL (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES.

              Porto Alegre, 28 de setembro de 2011.

DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO,

Relator.

RELATÓRIO

DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO (RELATOR)

Trata-se de apelação interposta por M. A.P.M., nos autos da ação de desconstituição de casamento que move em face de A. C.S., contra a sentença de fls. 302-323 que julgou procedente o pedido de nulidade de casamento celebrado entre as partes, mas reconheceu o casamento putativo havido entre os litigantes, e julgou improcedente a ação de exoneração de alimentos em apenso que o varão move em face da mulher.

Sustenta o autor na apelação (fls. 326-342) que ajuizou a presente ação postulando a anulação do seu casamento com a ré, em razão da existência de impedimento dirimente absoluto – bigamia – quando da convolação das núpcias. Em razão da nulidade do casamento, deveriam ser cassados seus efeitos desde a celebração, nos termos dos artigos 1.561, 1.563 e 1.564 do CC/02, que repetem as normas dos artigos 221 e 232 do CC/16. Concomitantemente ao pedido de desconstituição do casamento, ajuizou ação de exoneração de alimentos em face da ré, em razão da alteração do binômio necessidade/possibilidade.

Aduz que está correta a sentença quando decretou a nulidade absoluta do casamento celebrado entre as partes, vez que restou comprovado que a ré A. já era casada quando convolou núpcias com o autor.  Veio a prova apenas da averbação da separação judicial, porém não da dissolução definitiva do primeiro casamento com o divórcio ou a comprovação da morte de um dos nubentes.

Contudo, refere que não há prova nos autos de que a ré agiu de boa-fé quando da celebração do casamento em discussão, o qual não pode ser reconhecido como casamento putativo. Diz que do depoimento pessoal da ré e dos documentos juntados aos autos, se vê o intuito de emulação com que agiu a requerida frente ao autor. Diz que a ré mentiu a respeito de sua idade para o autor, e sobre a existência de duas certidões de nascimento da requerida, diversas.

Assevera o apelante que para granjear e alcançar o casamento com o autor, a ré omitiu dois fatos importantíssimos: sua verdadeira idade, e seu verdadeiro estado civil, vez que, para conseguir casar com o requerente, valeu-se de uma certidão de nascimento onde constava ser solteira. Refere que os testemunhos de familiares da ré e seu marido Moab deixaram claro que o real estado civil da recorrida sempre foi omitido do autor, ou falseado.

Alude que a prova colhida demonstra que a ré, ao casar com o autor, omitiu ou falseou o fato relevante de ser ainda casada, matrimônio esse que nunca foi dissolvido legalmente. Diz que o estado civil da ré é um mistério, vez que, enquanto familiares afirmavam que esta estava divorciada quando casou com o autor, outros tinham-na por viúva.

Refere que o casamento foi celebrado sem que o autor tivesse ciência da existência e continuidade da união anterior, o qual, caso não omitido, poderia ter sido sopesado e levado a não celebração do casamento.

Assim, acredita ter sido induzido em erro pela ré quando da celebração do casamento, o que manifesta a má-fé da requerida.

Requer seja afastado o reconhecimento do casamento putativo em razão da má-fé da ré, cassando-se todos os efeitos civis do casamento em relação a ela, conforme arts. 221, parágrafo único, e 232, I, do CC/16, ou 1.561, § 1.º, 1.564, I, do CC/02.

Caso não seja afastado o reconhecimento do casamento putativo, requer seja reformada a sentença no ponto em que reconheceu como válido o acordo que deu origem à obrigação alimentar, porquanto celebrado durante o período do reconhecido casamento putativo. Sento nulo o casamento, não de um acordo firmado em sede de separação judicial repercutir efeitos após sua desconstituição.

Cita os arts. 169, 182 e 1.563 do CC, aduzindo que a desconstituição do matrimônio opera-se de tal forma que atinge o negócio jurídico superveniente.

Assevera que não deve prevalecer o entendimento da sentença no sentido de que, desconstituído o título originário os alimentos – casamento -, a obrigação alimentar permanece em razão da união estável mantida entre as partes. Diz que eventual obrigação alimentar decorrente de união estável entre as partes, deve ser constituída através de ação própria.

Alega que a sentença substituiu a parte, vez que a ré em nenhum momento alegou a existência de união estável a justificar a mantença da obrigação alimentar.

Assim, deve ser reformada a sentença quando, apesar de declarar a desconstituição do casamento, reconheceu o casamento putativo e a continuidade da obrigação alimentar.

Quanto ao pedido de exoneração de alimentos, julgado improcedente, não obstante a declaração de nulidade do casamento, está equivocada a sentença, vez que a apelada exerce atividade laborativa junto à empresa ASA/RS, onde está trabalhando desde a data de 01.04.2006.  Portanto, houve notória alteração na situação econômica da apelada, a qual está empregada, e goza de ótima saúde e plena capacidade laboral, não necessitando dos alimentos prestados pelo apelante, de quem está separada há mais de 16 anos.

Sustenta que também houve modificação na situação financeira do autor, o qual constituiu nova família, com mais uma filha, está enfrentando problemas de saúde.

Diz que não há como negar que houve alteração da condição financeira da apelada, vez que a mesma se encontra empregada.

Requer o provimento da apelação, para, ante a desconstituição do casamento, sejam cassados todos os efeitos civis correspondentes, desde sua celebração, afastando-se o reconhecimento do casamento putativo, com o encerramento da obrigação alimentar, ou, seja desconstituída a obrigação alimentar decorrente do casamento putativo ou união estável, ou, ainda, seja julgada procedente a ação de exoneração de alimentos, ou no máximo que perdure pelo prazo de um ano.

 A ré apresentou contrarrazões, postulando a manutenção da sentença, e, que as provas de fls. 66 a 100 sejam consideradas ilícitas e desentranhadas do processo, por obtidas através de violação legislativa material e processual.

Neste grau, o Ministério Público, através do eminente Procurador de Justiça, Dr. Luiz Claudio Varela Coelho, ofertou parecer pelo conhecimento e desprovimento da apelação.

Registre-se, por fim, que foi cumprido o comando estabelecido pelos artigos 549, 551 e 552, todos do CPC.

É o relatório.

VOTOS

DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO (RELATOR)

Trata-se de apelação interposta por M. A.P.M., nos autos da ação de desconstituição de casamento que move em face de A. C.S., contra a sentença de fls. 302-323 que julgou procedente o pedido de nulidade de casamento celebrado entre as partes, mas reconheceu o casamento putativo havido entre os litigantes, e julgou improcedente a ação de exoneração de alimentos em apenso que o varão move em face da mulher.

Cuida-se de ação de desconstituição de casamento celebrado entre o autor e a ré em 28 de maio de 1987, sendo que o casal já se encontra divorciado, sob a alegação de nulidade do casamento, com base no art. 183, VI c/c art. 207 do CC/16, por ser a ré na época do casamento, já casada. Em apenso se encontra a ação de exoneração de alimentos que o autor move em face da ré. A sentença apreciou as duas ações conjuntamente.

O eminente Procurador de Justiça, Dr. Luiz Cláudio Varela Coelho, emitiu parecer nos autos, que adoto como razões de decidir ante a correta aplicação ao caso em julgamento:

“No mérito, improcede a irresignação.

Em julgamento conjunto, o Magistrado a quo, julgou procedente a Ação de Nulidade de Casamento e improcedente a Ação de Exoneração de Alimentos, ambas promovidas por M. A. em face de A. C., para declarar a nulidade absoluta do matrimônio celebrado pelas partes com violação de impedimento e afirmar a existência de casamento putativo entre elas, com os efeitos daí decorrentes, reconhecida a boa-fé da demandada, bem como para manter a obrigação alimentar do demandante em relação à demandada no patamar de 15% de seus rendimentos líquidos.

A decisão está correta e nenhum reparo comporta, não assistindo razão ao apelante quando afirma a ma-fé por parte da apelada quando da celebração do segundo matrimônio.

Segundo consta dos autos, a apelada contraiu matrimônio com M. em Recife/PE, em 19/10/1971 (fl. 19), e dele se desquitou em São Paulo/SP, em 20/02/1974 (fl. 182), tendo o casal dois filhos. A partir do ano de 1974 a apelada não teve mais contato com M., tendo, porém, a notícia de que ele teria falecido no ano de 1985, quando tentava ingressar na fronteira dos Estados Unidos.

No ano de 1976, iniciou o namoro do apelante com a apelada. Sem que fosse promovido o divórcio desta, e ausente a comprovação da notícia do óbito de M., as partes contraíram núpcias em 28/05/1987, em Aracajú/SE (fl. 15). Em 1994, as partes se divorciaram, ocasião em que o apelante passou a pagar alimentos à apelada em valor correspondente a 15% de seus rendimentos, tendo o casal uma filha. No ano de 2003 as partes se divorciaram.

Com efeito, embora desquitada, a apelada estava casada com M. quando contraiu matrimônio com M. A., havendo, portanto, nulidade absoluta deste casamento em razão de infringência de impedimento constante do artigo 183, inciso III, do Código Civil de 1916, que veda o casamento entre pessoas casadas, reproduzido no artigo 1.521, inciso VI, do atual Código Civil.

Em consequência, declarada a indiscutível nulidade do casamento, interessa perscrutar acerca da existência ou não de boa-fé por parte de um ou de ambos os nubentes que celebraram o segundo matrimônio, tendo em vista os efeitos daí decorrentes e a possibilidade ou não de aplicação do instituto do casamento putativo.

Na espécie, há evidências que autorizam a conclusão no sentido da existência de boa-fé por parte da apelada quando da celebração do segundo matrimônio, bem assim de que o apelante tinha ciência que o casamento anterior não estivesse desfeito.

Por ocasião de seu depoimento pessoal, M. A. disse que tinha conhecimento que A. C. estava separada de M., havendo dois filhos dessa união, mas que ela jamais teria sido casada. Nada obstante, curiosamente, estando há mais de dez anos separado da apelada, o apelante realizou investigações recentes e descobriu, em Recife, a certidão do casamento dela com M. Acrescentou possuir interesse em saber a verdade para buscar a exoneração dos alimentos devidos à apelada (fls. 166/171).

Por sua vez, A. C. referiu que M. A. sempre teve conhecimento do matrimônio anterior, inclusive, sabia que ela estava separada judicialmente (na verdade, desquitada) quando contraiu novas núpcias. Ainda, acrescentou ter certeza que M., seu primeiro marido, havia falecido, sendo essa informação confirmada por familiares. Mencionou que M. A. pediu-lhe a certidão de nascimento para encaminhar os documentos para casar, pois, segundo ele, com a morte de M. apelada estaria viúva e poderia contrair novas núpcias (fls. 171/178).

A versão da apelada vem confirmada pelo depoimento da testemunha E. M. C. R., que relatou que o apelante tinha conhecimento do matrimônio e do desquite da apelada com M., inclusive, conhecia toda a família, pais, filhos e irmãos deste. Referiu que A. C. e M. A. viveram maritalmente durante alguns anos e casaram-se após o divórcio ou a notícia do óbito de M. (fl. 219).

Ainda, o filho da apelada com M., N. S. C. R., em seu depoimento, aduziu desconhecer a existência de divórcio entre seus pais, sendo do conhecimento de todos os familiares e do depoente que seu genitor é falecido. Acrescentou que a apelada contraiu núpcias com o apelante supondo estar viúva (fls. 251).

Na esteira da prova oral carreada aos autos, não há adminículo que possa sustentar a existência de má-fé por parte da apelada, uma vez que ela contraiu núpcias com o apelante tendo convicção de que M., de quem estava desquitada há vários anos, havia realmente morrido. A propósito, as testemunhas precitadas ratificaram a informação de que M. estava desaparecido há muito tempo e tinha falecido.

Ainda que presumida a boa-fé, na espécie, há prova de que a apelada agiu com induvidosa convicção da ocorrência do óbito de M., acreditando ser verídica a informação sobre sua morte, como acreditavam seus familiares. Assim, quando contraído o novo matrimônio, a apelada estava convencida da viuvez em razão da existência de informação da morte de M.

Por outro lado, o apelante não se desincumbiu do ônus que lhe competia, deixando de fazer prova de que a apelada agiu de má-fé, que o enganou ao contrair novo matrimônio sendo casada com M. ou fraudou o processo de habilitação desse casamento.

O fato de o apelante resolver voltar ao passado e investigar a vida de M. – desaparecido há tantos anos e possivelmente falecido – para obter a certidão de casamento deste com a apelada, após estar dela divorciado desde o ano de 2003, revela que tinha ciência da existência do matrimônio anterior.

Na realidade, o propósito do apelante era obter a decretação da nulidade de seu casamento para fins de eximir-se da obrigação alimentar devida à apelada, tanto que seu interesse em obter prova do matrimônio da apelada com M. surgiu após ter sido julgada improcedente anterior ação de exoneração de alimentos promovida em desfavor da apelada.

Nesse contexto, é segura a conclusão a que chegou o juízo de primeiro grau acerca da ciência do apelante e da ausência de má-fé da apelada, de forma a autorizar a configuração do casamento putativo e a consequente produção de efeitos.

A propósito do casamento declarado nulo e do instituto do casamento putativo, o escólio de Silvio Rodrigues:

“48. (…) O casamento declarado nulo não produz efeito. Aliás, como o casamento nulo fere a ordem pública, é a própria sociedade que contra ele reage, impedindo que produza qualquer consequência no campo do direito.

Assim, por força de seu efeito retroativo, a sentença de nulidade extingue qualquer relação jurídica entre o homem e a mulher, cuja união não passa de concubinato; cessa o regime de bens entre os cônjuges; as doações propter nuptiae sequuntur; volta-se a utilizar o nome anterior ao casamento, se em função dele houve modificação; e os esposos perdem o direito de se sucederem, um ao outro, na ordem de vocação hereditária, visto que deixam de ser esposos.

Uma consequência real decorrente desse casamento é a proibição de a mulher contrair novo matrimônio, nos trezentos dias subsequentes ao término da coabitação, para evitar a confusão sobre a paternidade do filho que lhe nascer nesse ínterim, ao menos que, no intervalo, dê à luz um filho. Outra se relaciona ao efeito civil em face dos filhos, adiante referido.

Todavia, tão duro castigo, retirando os efeitos do casamento, pode ser injusto e vir a punir pessoas que não visavam infringir norma dirimente. Pode ferir gente que foi levada, na melhor boa-fé, a contrair um matrimônio nulo, em virtude de ignorar o impedimento que lhe vedava o caminho, quer, exemplificativamente, por não saber da existência de parentesco em grau proibido, quer por lhe haver sido escondida a circunstância de seu consorte estar ligado a casamento anterior.

Atendendo a essa boa-fé, ao princípio da equidade e a razões humanitárias, o ordenamento jurídico, fugindo à lógica de seu sistema, empresta ao casamento anulado e mesmo nulo  todos os efeitos do casamento válido, até a data da decretação da nulidade; como se a boa-fé original dos cônjuges ou de um deles tivesse o condão de purificar o ato, emprestando-lhe, enquanto durou, uma validade que não podia ter. A esse casamento chama-se casamento putativo.

Mas aos filhos, independentemente da nulidade ou anulação, estendem-se os efeitos civis, sobretudo aquele relativo à presunção de paternidade, sem levar em conta a boa-fé de qualquer dos cônjuges, como propõe de forma expressa o § 2º do art. 1.561 no novo Código Civil: “se ambos os cônjuges estavam de má fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão”.

49. Conceito – Casamento putativo (de putare, que significa imaginar, pensar) é o casamento reputado ser o que não é. A lei, por meio de uma ficção e tendo em vista a boa-fé dos contraentes ou de um deles, vai atribuir ao casamento anulável, e mesmo nulo, os efeitos do casamento válido, até a data da sentença que o invalidou. Presta, assim, homenagem à boa-fé dos contraentes, protegendo-se os interesses do cônjuge inocente. A regra se encontra expressa no art. 1.561 do Código Civil.

Vê-se que o legislador manifestou o duplo propósito de proteger o cônjuge de boa-fé e, principalmente, de proteger a prole. Com efeito, no regime do Código Civil de 1916 havia uma distinção nítida entre a maneira como o legislador tratava os filhos chamados legítimos, que eram os havidos do casamento, e os ilegítimos, que eram os havidos fora do matrimônio. Entre os ilegítimos se encontravam os incestuosos, os adulterinos, que nem sequer podiam ser reconhecidos. De sorte que o anseio de proteger a prole, no regime de 1916, era agudíssimo. (…)

51. O casamento putativo no direito vigente – Assim, vê-se que, quer nulo, quer anulável, o casamento produz todos os efeitos do casamento válido, em relação aos cônjuges e aos filhos, se contraído de boa-fé. Se a boa-fé for apenas de um dos contraentes, só em relação a ele aproveitarão os efeitos da putatividade.

Os autores vêem na dissolução do casamento putativo ocorrência que se poderia equiparar, quanto a seus efeitos, à dissolução por morte de um dos cônjuges, outros equiparam os efeitos aos que decorreriam do divórcio.

De fato, declarado putativo, o casamento que por ser nulo não deveria produzir efeito algum, por ficção da lei arma-se de validade e produz todos os efeitos que produziria o casamento válido, até a data da sentença que o invalidou. Tantum operatur fictio in casu ficto quantum veritas in casu vero.

52. Problemas que suscita. Momento em que se reclama a boa-fé. – Alguns problemas há, ligados a casamento putativo, que merecem esclarecimento.

O primeiro diz respeito ao momento em que a boa-fé deve reinar. A opinião, hoje generalizada, é a de que a boa-fé, reclamada pelo legislador, é a do momento do casamento. De modo que, se mais tarde os cônjuges vêm a ter ciência de um impedimento, capaz de conduzir à nulidade de seu matrimônio, isso não impede a declaração de sua putatividade.”

(…)

No caso dos autos, havendo boa-fé por parte da apelada quando da celebração do casamento com o apelante e tendo este conhecimento das núpcias anteriores, a declaração de nulidade do casamento das partes, por ter sido celebrado com infringência ao impedimento constante do artigo 183, VI do Código Civil de 1916, reproduzido no artigo 1.521, VI, do Código Civil de 2002, enseja o reconhecimento de casamento putativo, hipótese em que, excepcionalmente, admite-se a produção de efeitos até a sentença que declara sua nulidade.

Dessa forma, não procede a alegação do apelante no sentido de ser indevida a obrigação alimentar, sendo cabível reconhecer-se a produção de efeitos do casamento nulo até a sentença que proclama a nulidade, entre os quais insere-se o dever de prestar alimentos.

Como consequência, não há falar em união estável e nem substituição das partes pelo Magistrado no tocante ao reconhecimento e manutenção da obrigação alimentar, limitando-se a sentença a reconhecer a hipótese de casamento putativo em decorrência da boa-fé, ao menos, da apelada, com os efeitos daí decorrentes.

Além disso, o encargo alimentar foi estabelecido mediante acordo celebrado nos autos de anterior separação judicial e divórcio, ocasião em que se formou o título judicial que assegura o direito da apelada aos alimentos.

Ainda que reconhecida a nulidade do casamento entre o apelante e a apelada, não há como negar que eles viveram vários anos como marido e mulher, separaram-se judicialmente e divorciaram-se, o que autoriza a manutenção do dever de mútua assistência em decorrência da indiscutível relação matrimonial havida entre as partes.

No que respeita ao pleito direcionado à exoneração dos alimentos, melhor sorte não socorre o apelante, pois não vislumbrada a alteração do binômio necessidade e possibilidade de forma a justificar a extinção do encargo.

Como é consabido, a obrigação alimentar é regida pela cláusula rebus sic stantibus, sendo passível de modificação o valor estabelecido a título de alimentos quando sobrevier mudança no binômio necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante, a teor do disposto no artigo 1.699 do Código Civil, verbis:

“Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira  de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo alimentar.”

A revisão dos alimentos exige, portanto, demonstração cabal acerca da alteração das possibilidades econômicas do alimentante ou das necessidades do alimentando.

A situação fática representada nos autos não permite a conclusão no sentido da existência de efetiva modificação do binômio alimentar, não havendo demonstração de que a apelada não necessite dos alimentos para sua manutenção e sustento ou que o apelante não tenha condições de prestá-los.

A obrigação alimentar foi estabelecida mediante acordo entabulado por ocasião da separação judicial das partes, ocorrida no ano de 1994, no valor correspondente a 30% dos rendimentos líquidos do apelado, em favor da apelada e da filha do casal (fl. 18), sendo mantida quando houve a conversão em divórcio, no ano de 2003 (fls. 38 e 39, proc. n.º 0113925755). Após, mediante ação judicial, o apelante exonerou-se do encargo alimentar devido à filha, sendo mantidos os alimentos em favor da ex-mulher no patamar de 15% de seus rendimentos líquidos.

No que diz com as possibilidades, observa-se que o apelante percebe rendimentos mensais brutos superiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais), conforme comprovante de renda relativo ao mês de novembro de 2008 (fl. 43). Após divorciar-se da apelada, o apelante constituiu nova união, com prole. Além disso, possui problemas de saúde que lhe demanda gastos extraordinários.

Em relação às necessidades, tem-se que a apelada está com 54 (cinquenta e quatro) anos de idade, possui baixo grau de escolaridade e exerce atividade de auxiliar de serviços gerais, auferindo renda mensal um pouco acima do valor do salário mínimo (fl.  81 e 83).

Analisando-se os autos do processo n.º 00118771766, verifica-se que anterior Ação de Exoneração de Alimentos promovida pelo apelante em face da apelada foi julgada improcedente, sendo mantida a obrigação alimentar mediante decisão transitada em julgado em meados do ano de 2007 (fl. 260).

A menos de dois anos do trânsito em julgado da referida decisão, o apelante promoveu nova Ação de Exoneração de Alimentos em desfavor da apelada, cuja distribuição ocorreu em 09/02/2009.

Nada obstante, compulsando os autos da demanda anterior, observa-se que não houve alteração digna de relevo na situação das partes, e nem mesmo nos argumentos utilizados pelo apelante para eximir-se da obrigação alimentar, quais sejam, a constituição de nova família, a existência de problemas de saúde e o fato de a apelante ter condições de se manter.

Naquela época, a apelada trabalhava como cuidadora, auferindo renda mensal no montante de R$ 200,00 (duzentos reais). Por certo, o pequeno aumento de sua renda não é suficiente para concluir que tenha condições de manter-se, sendo indiscutível a persistência da necessidade.

A propósito, transcreve-se excerto do acórdão exarado por ocasião da demanda anterior, cujo teor refere:

“Ainda que o autor/alimentante tenha demonstrado redução nas suas possibilidades, com o nascimento posterior ao acordo de uma filha que está sob o seu sustento (fl. 15), e com o acometimento de doença – artrose – que lhe trouxe gastos extraordinários conforme os demonstrados nos documentos juntados com a petição inicial (fls. 19 e s.), não se pode olvidar que tal redução nas suas possibilidades será compensada com a exoneração da verba alimentar devida à filha dos litigantes, exoneração essa que se aproxima.

Com efeito, conforme se vê dos autos da exoneração de alimentos que o ora autor moveu contra a filha H., que se encontra em apenso, eles firmaram acordo em audiência prevendo o pensionamento apenas por mais dois anos, o qual se extinguirá no mês de junho de 2006 (fl. 14 dos autos da exoneratória em apenso).

Assim, a pensão alimentícia que foi acordada inicialmente em 30% sobre os vencimentos líquidos do autor (fl. 14 dos autos do divórcio em apenso), ou seja, 15% para a filha H. e 15% para a ora ré, se reduzirá aos 15% destinados exclusivamente à ex-mulher, ora apelante.

Conforme se vê do contracheque de fl. 76, sobre os vencimentos brutos do autor como funcionário público federal, no valor de R$ 7.303,59 – e líquidos no valor de R$ 2.903,93 (já descontado o percentual de 30% dos alimentos) -, a partir de junho do corrente ano incidirá somente o desconto de 15% dos alimentos destinados à ré/apelante, que atingem, segundo noticiam os autos, a quantia atual de R$ 700,00, aproximadamente.

Não demonstrado, pois, que a ré não necessita mais dos alimentos, e podendo o autor cumprir com o acordo livremente assumido, outro caminho não resta senão a improcedência da ação.

O voto é pelo provimento da apelação para JULGAR IMPROCEDENTE a ação de exoneração de alimentos que o autor move contra ré.  Inverte-se o ônus da sucumbência fixada na sentença.”

Ainda, não há como ser acolhido o pedido alternativo, no sentido da manutenção dos alimentos pelo prazo de 01 (um) ano, com posterior e automática exoneração do encargo, considerando que eventual alteração dos alimentos não prescinde da análise dos vetores possibilidade do alimentante e necessidade do alimentando.

Destarte, ausente a alteração do binômio alimentar, improcede o pleito visando a exoneração dos alimentos ou sua extinção automática em face do decurso de tempo.

Em face do exposto, opina o Ministério Público de segundo grau pelo conhecimento e não-provimento do recurso.”

Portanto, impõe-se confirmar a bem lançada e fundamentada sentença.

Cumpre acrescentar, tão-somente, que o pedido deduzido pela ré nas contrarrazões, no sentido de que os documentos juntados às fls. 66-100 sejam considerados ilícitos, por não ser prova autorizada judicialmente já que obtidas através de violação material e processual, e sejam desentranhados dos autos, já foi indeferido pela decisão de fl. 144, da qual foi intimada a ré (fl. 146), não interpondo o recurso cabível, restando preclusa a matéria.

Isto posto, nego provimento à apelação.

DES. JORGE LUÍS DALL”AGNOL (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo com o Relator.

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES – De acordo com o Relator.

DES. JORGE LUÍS DALL”AGNOL – Presidente – Apelação Cível nº 70042905992, Comarca de Porto Alegre: “NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.”

Julgadora de 1º Grau: GLAUCIA DIPP DREHER

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