Número do processo: 1.0431.07.035731-1/001(1) Númeração Única: 0357311-60.2007.8.13.0431
Relator: Des.(a) ELIAS CAMILO
Relator do Acórdão: Des.(a) ELIAS CAMILO
Data do Julgamento: 02/06/2011
Data da Publicação: 05/10/2011
Inteiro Teor:
EMENTA: DIREITO DE FAMÍLIA – APELAÇÃO CIVEL – SEPARAÇÃO LITIGIOSA – ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010 – DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO – PARTILHA DE BENS – REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL – ALIMENTOS – EX-CÔNJUGE – INCAPACIDADE PARA O TRABALHO NÃO CONSTATADA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. – Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 66, deu-se nova redação ao §6º do art. 226 da Constituição Federal, suprimindo a prévia separação como requisito para o divórcio, eliminando prazos para sua propositura e extinguindo o instituto da separação judicial, razão pela qual, havendo pedido, ainda que formulado em grau recursal, deve ser decretado, de imediato, o divórcio do casal. – O saldo do FGTS, por pertencer somente ao trabalhador, sendo fruto personalíssimo do trabalho, é bem incomunicável, não se sujeitando à partilha quando da separação do casal no regime de comunhão parcial de bens. – O saldo depositado na caderneta de poupança em nome do filho não pode ser considerado como patrimônio do casal para efeito de partilha, porque pertencente a terceiro, devendo ser considerado o respectivo depósito como doação feita pelos pais. – Embora seja possível a prestação de alimentos pelo ex-cônjuge ao outro, como decorrência do dever de mútua assistência, não se desincumbindo o cônjuge do ônus de comprovar sua real necessidade de recebimento de auxílio material do outro, por ser pessoa aparentemente apta ao trabalho, é correta a decisão que deixa de fixá-los em seu favor.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0431.07.035731-1/001 – COMARCA DE MONTE CARMELO – APELANTE(S): J.M.A. – APELADO(A)(S): N.M.S.M. – RELATOR: EXMO. SR. DES. ELIAS CAMILO
ACÓRDÃO
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador BITENCOURT MARCONDES , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Belo Horizonte, 02 de junho de 2011.
DES. ELIAS CAMILO – Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. ELIAS CAMILO:
VOTO
Trata-se de recurso de apelação contra a sentença de f. 250-258, que, nos autos da ação de separação judicial litigiosa proposta pela apelada em face do ora apelante, julgou procedente o pedido inicial, para decretar a separação judicial litigiosa do casal, com fundamento no art. 5º da Lei 6.515/77, por culpa recíproca, e para determinar a partilha de bens, indeferindo a partilha do FGTS e do saldo bancário em nome do filho do casal. Julgou, ainda, improcedente a reconvenção aviada pelo ora apelante, deixando de arbitrar alimentos em seu favor.
Condenou o apelante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), respeitadas as disposições do art. 12 da Lei 1.060/50.
Na peça recursal (f. 259-264), rebatendo os diferentes aspectos da sentença, requer o apelante: a) seja reconhecida a separação judicial com base na culpa da apelada, por abandono do lar, tendo em vista que a apelada já se encontrava afastada do lar conjugal antes da autorização judicial, tendo saído de casa mais de quatro meses antes da confecção do Boletim de Ocorrência que embasou a liminar deferida na separação de corpos; b) seja determinada a partilha do FGTS, defendendo que este não poderia ser equiparado aos proventos do trabalho; c) seja determinada a partilha do dinheiro depositado em conta bancária em nome do filho do casal, por se tratar de economias do casal; e d) sejam arbitrados alimentos em seu favor no valor de 1,5 salários mínimos mensais, sustentando que o fato de ser saudável não significa que esteja em condições de prover seu próprio sustento, estando desempregado e fazendo pequenos bicos para sobreviver.
Arremata requerendo o provimento do recurso.
Recebido o recurso, a apelada ofertou as contrarrazões de f. 266-275, em infirmação óbvia.
A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pela desnecessidade de sua intervenção no feito.
Os autos retornaram em diligência para que fosse sanada a irregularidade constatada na ação cautelar em apenso, tendo sido cumprida a determinação pelo juízo primevo.
Incluídos os autos na pauta da sessão de julgamento do dia 12 de agosto de 2010, retirei-os de pauta, em razão da promulgação da EC 66/2010, supervenientemente ao julgamento do presente recurso, a fim de que manifestassem as partes sobre o seu interesse no divórcio.
Manifestação da apelada à f. 297 e do apelante à f. 299-300, ambos pugnando pela decretação do divórcio.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso, porque próprio, tempestivamente apresentado, regularmente processado isento do preparo em face da gratuidade de justiça.
Ab initio, no que diz respeito à responsabilidade pelo término do casamento, entendo que a discussão encontra-se superada pela superveniência da EC 66/2010 e manifestação de ambas as partes pela decretação do divórcio.
É que, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 66, norma superveniente que, por força do art. 462 do CPC, deverá ser considerada no julgamento, foi dada nova redação ao §6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, o qual assim passou a dispor:
“Art. 226 (…)
§6º – O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.”
Trata-se de dispositivo que suprime a prévia separação como requisito para o divórcio, eliminando prazos para sua propositura e extinguindo o instituto da separação judicial.
Sobre o tema, Pablo Stolze Gagliano, no artigo ‘A Nova Emenda do Divórcio: Primeira Reflexões’ (in, http://www.pablostolze.com.br), ensina:
“Em síntese, a Emenda aprovada pretende facilitar a implementação do divórcio no Brasil e apresenta dois pontos fundamentais:
a) extingue a separação judicial;
b) extingue a exigência de prazo de separação de fato para a dissolução do vínculo matrimonial.
(…)
No sistema inaugurado, pois, não só inexiste causa específica para a decretação do divórcio (decurso de separação de fato ou qualquer outra) como também não atua mais nenhuma condição impeditiva da decretação do fim do vínculo, tradicionalmente conhecida como ‘cláusula da dureza’.
(…)
Em síntese: com a entrada em vigor da nova Emenda, é suficiente instruir o pedido de divórcio com a certidão de casamento, não havendo mais espaço para discussão de lapso temporal de separação fática do casal ou, como dito, de qualquer outra causa específica de descasamento.
Vigora, mais do que nunca, agora, o princípio da ruptura do afeto – o qual busca inspiração no ‘Zerruttungsprinzip’, do Direito Alemão (princípio da desarticulação ou da ruína da relação de afeto) – como simples fundamento para o divórcio.
(…)
4. Conclusões
Nessas breves linhas, cuidamos de passar em revista alguns aspectos fundamentais da nova Emenda do Divórcio, a qual, fundamentalmente, suprime o instituto da separação judicial no Brasil e extingue também o prazo de separação de fato para a concessão do divórcio.
Com isso, o divórcio converter-se-á na única medida dissolutória do vínculo e da sociedade conjugal, não persistindo mais a tradicional dualidade tipológica em divórcio direto e indireto.
Haverá apenas o divórcio: direito potestativo não condicionado que visa a extinção do vínculo matrimonial sem a imputação de causa específica.
(…).”
Tratando especificamente dos processos veiculando discussão acerca da separação judicial que se encontram na fase recursal, Maria Berenice Dias, no artigo EC 66/10 – e agora?, publicado no sítio eletrônico http://www.ibdfam.org.br, esclarece que, “encontrando-se o processo de separação em grau de recurso, descabe ser julgado. Sequer é necessário o retorno dos autos à origem, para que o divórcio seja decretado pelo juízo singular. Deve o relator decretar o divórcio, o que não fere o princípio do duplo grau de jurisdição”.
Desta forma, in casu, a imediata decretação do divórcio requerido pelas partes é medida que se impõe, ficando prejudicado o recurso quanto à discussão da culpa pela separação.
Passando adiante, no que diz respeito às irresignações ofertadas quanto à partilha de bens, anoto, primeiramente, com relação ao saldo do FGTS, que, por pertencer a referida verba somente ao trabalhador, sendo fruto personalíssimo do trabalho, trata-se de bem incomunicável. Nesse sentido, os julgados deste Tribunal nos Processos nº 1.0024.02.685018-0/001, 1.0024.06.267754-7/001 e 1.0024.02.662403-1/001.
No que tange, por sua vez, à pretensão de partilha do dinheiro depositado em conta bancária do filho do casal, melhor sorte não assiste ao apelante. Com efeito, estando a caderneta de poupança em nome de outrem, não pode ser considerada como patrimônio do casal para efeito de partilha, devendo ser considerados os respectivos depósitos como doação feita pelos pais.
Por último, com relação ao pedido de alimentos formulado pelo apelante, tampouco merece reforma a sentença.
Não se olvida da possibilidade de ex-cônjuge prestar alimentos ao outro, como decorrência do dever de mútua assistência entre os cônjuges, incumbindo a cada um em relação ao outro, o dever de ajudá-lo economicamente. No entanto, como sabido, é necessário que estejam preenchidos os requisitos previstos nos artigos 1.694 e 1.695 do Código Civil de 2002, ou seja, o binômio necessidade/possibilidade deve ser plenamente satisfeito.
Tratando-se de ex-cônjuge, não há qualquer presunção da necessidade dos alimentos, a qual deveria ter vindo demonstrada satisfatoriamente, conforme orienta a doutrina, que ao tratar da pensão alimentícia entre cônjuges, assim dispõe:
“Condições de exigibilidade – Para que emerja o direito de pedir alimentos, mister se faz que o alimentário não tenha bens, nem possa prover, pelo seu trabalho, à própria mantença. Assim, se quem os pede tem emprego, que lhe proporciona o suficiente para manter-se (RT188/217); ou se não trabalha porque prefere o ócio, tratando-se de pessoa válida que, se quisesse, obteria colocação; ou se cogita de indivíduo cujos bens seriam capazes de proporcionar renda bastante para a sobrevivência do dono, em todas essas hipóteses deve o pedido de alimentos ser indeferido.” (Silvio Rodrigues. Direito Civil. Saraiva. Vol. VI. 27ª ed., 2002, p. 423).
Entretanto, na hipótese, a prova testemunhal evidenciou ser o apelante pessoa saudável, plenamente apta ao trabalho, sendo certo que a testemunha que prestou depoimento à f. 212, a qual, inclusive, foi arrolada pelo apelante, relatou outros trabalhos que já foram exercidos pelo apelante antes de ter se dedicado à participação na reforma da casa (o que fez ativamente, fornecendo mão de obra), além de ter declarado que, atualmente, este estaria fazendo bicos de borracheiro na cidade de Nova Ponte-MG, onde reside com a mãe.
Por outro lado, a apelada não revela deter condição financeira tão avantajada, a ponto de justificar a fixação de pensão alimentícia que poderia alimentar o ócio do apelante, mormente se considerado que o filho do casal, maior, mas ainda estudante (f. 220-221), ainda reside com a apelada, não tendo sido fixados alimentos em favor deste. De fato, em face da igualdade entre homens e mulheres, doutrina e jurisprudência têm se manifestado contra o parasitismo por conveniência, mesmo porque, o ócio imotivado e injustificado, é capaz de trazer ainda maiores males e prejuízos.
No mesmo sentido:
“Hodiernamente, vem se firmando o entendimento no sentido de que, dada a equiparação profissional entre mulheres e homens, ambos disputando em igualdade de condições o mercado de trabalho, não se mostram devidos, nas separações sem culpa, alimentos aos ex-cônjuges, salvo se comprovada a incapacidade laborativa de um deles. (..) Assim, tenho como inconcebível que, nos dias atuais, mulher perfeitamente apta ao trabalho conte com o beneplácito e a benevolência do Poder Judiciário, a fim de que se mantenha na cômoda situação de ser sustentada pelo ex-cônjuge, ao invés de procurar a qualificação profissional que a permita o ingresso no mercado de trabalho e, por conseguinte, o custeio de sua própria subsistência (Apelação Cível n. 1.0024.03.962464-8/001, rel. Des. Pinheiro Lago).
Com tais considerações, decreto o divórcio de J. M. A. e N. M. da S. M., e, quanto ao mais, nego provimento ao recurso, mantendo a sentença de primeiro grau.
Custas recursais, pelo apelante, suspensa a exigibilidade por litigar sob os auspícios da justiça gratuita.
O SR. DES. BITENCOURT MARCONDES:
De acordo com o Relator.
O SR. DES. FERNANDO BOTELHO:
Sr. Presidente.
Sem prejuízo do exame casuístico que venho fazendo de casos como o presente, em razão do início de vigência da Emenda Constitucional nº 66, vejo-me na contingência de reconhecer, no caso presente, a necessidade da concessão, desde logo, do divórcio do casal, na esteira do voto proferido, com precisão, pelo eminente Relator.
SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.