Órgão 6ª Turma Cível
Processo N. Agravo de Instrumento 20110020026515AGI
Agravante(s) E. S.
Agravado(s) V. A. M.
Relatora Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO
Acórdão Nº 522.013
E M E N T A
AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. RELAÇÃO HOMOAFETIVA. VARA DE FAMÍLIA.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar ADI 4277/DF e ADPF 132/RJ, esta ultima convertida em ADI, entendeu que o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, dá concretude aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da proteção das minorias e da não-discriminação.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226, §§ 3º e 4º, entende como entidade familiar aquela formada por homem e mulher, bem como aquela formada qualquer dos pais e seus descendentes. O referido artigo não pode sofrer uma interpretação restritiva, afastando a possibilidade de reconhecimento de entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo, posto que não há norma que traga tal discriminação.
No novo contexto social, tendo em vista que o Poder Legislativo não tem acompanhado as modificações sociais, não pode o Poder Judiciário, sob a alegação de ausência de legislação, deixar de reconhecer como entidade familiar a relação entre pessoas do mesmo sexo.
A norma inserta no artigo 1723 do Código Civil não afasta a possibilidade de reconhecimento como entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo, razão pela qual é competente a Vara de Família para julgar ação de reconhecimento e dissolução de união estável.
Agravo conhecido e provido.
A C Ó R D Ã O
Acordam os Senhores Desembargadores da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO – Relatora, JAIR SOARES – Vogal, VERA ANDRIGHI – Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. DEU-SE PROVIMENTO, POR MAIORIA, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 20 de julho de 2011
Certificado nº: 44 36 98 76
26/07/2011 – 15:41
Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO
Relatora
R E L A T Ó R I O
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, de decisão que, em ação de reconhecimento e dissolução de união estável, declinou da competência para processar e julgar o feito para uma das Varas Cíveis da Circunscrição Judiciária de Planaltina/DF.
Assevera a agravante que, tendo em vista a vedação constitucional de discriminação de pessoas em razão do gênero, as ações que versem sobre reconhecimento e dissolução de união estável entre pessoas do mesmo sexo devem ser processadas pelo juízo de família e não de vara cível.
Sustenta que uniões como a mencionada não devem ser tratadas como simples sociedades de fato, ou seja, como um negócio jurídico apenas, tendo em vista serem dotadas de afeto, sentimentos, tal ocorre com as relações envolvendo pessoas heterosexuais.
Acrescenta que a união homoafetiva deve ser tratada de maneira equiparada à união entre homem e mulher, devendo ser reconhecida como entidade familiar, tornando-se imperiosa a competência da vara de família para analisar e julgar o feito.
Conclui, postulando o conhecimento do presente recurso, bem assim seja ele recebido em seu efeito suspensivo, para o fim de determinar, em antecipação da tutela recursal, que o feito permaneça em trâmite na Primeira Vara de Família, Órfãos e Sucessões da Circunscrição Judiciária de Planaltina-DF. Não acatado pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, postula seja o feito suspenso até o julgamento final do agravo. No mérito, requer a reforma da r. decisão, reconhecendo-se a competência do juízo originário, para processar e julgar a ação proposta.
O recurso foi recebido no efeito meramente devolutivo às fls.62/64.
Contrarrazões às fls.68/72.
Manifestação do Parquet às fl.76/77 pelo conhecimento e provimento do recurso.
É o relatório.
V O T O S
A Senhora Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO – Relatora
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, de decisão que, em ação de reconhecimento e dissolução de união estável de relação homoafetiva, declinou da competência para processar e julgar o feito para uma das Varas Cíveis da Circunscrição Judiciária de Planaltina/DF.
A decisão atacada merece reparos.
De inicio, destaco que, alinhando-me ao precedente recente do Excelso Supremo Tribunal Federal, evolui do entendimento anteriormente perfilhado para entender que a ação de reconhecimento e dissolução de união estável entre pessoa do mesmo sexo devem ser julgadas nas Varas de Família.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar ADI 4277/DF e ADPF 132/RJ, esta ultima convertida em ADI, entendeu que o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, dá concretude aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da proteção das minorias e da não-discriminação.
A rigor, a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226, §§ 3º e 4º, entende como entidade familiar aquela formada por homem e mulher, bem como aquela formada qualquer dos pais e seus descendentes.
Ocorre que o referido artigo não pode sofrer uma interpretação restritiva, afastando a possibilidade de reconhecimento de entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo, posto que não há norma que traga tal discriminação.
No novo contexto social, tendo em vista que o Poder Legislativo não tem acompanhado as modificações sociais, não pode o Poder Judiciário, sob a alegação de ausência de legislação, deixar de reconhecer como entidade familiar a relação entre pessoas do mesmo sexo.
Dessa feita, restou assentado em recente julgado do Supremo Tribunal Federal que a norma inserta no artigo 1723 do Código Civil não afasta a possibilidade de reconhecimento como entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo.
Deveras, impende destacar lição dos professores Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald sobre a exigência de dualidade de sexos prevista no artigo 1723, in verbis:
“É bem verdade que esse elemento caracterizador das entidades familiares apresenta-se conectado a padrões morais de outros tempos, argumento parte da doutrina que a exigência de dualidade de sexos decorreria da impossibilidade dos homossexuais assumirem, concomitantemente, o papel de pai e mãe em uma relação familiar.
Não nos parece razoável. Efetivamente, a união entre pessoas homossexuais poderá estar acobertada pelas mesmas características de uma entidade heterossexual, fundada, basicamente no afeto e na solidariedade. Sem dúvida, não é a diversidade de sexos que garantirá a caracterização de um modelo familiar, pois a afetividade poderá estar presente mesmo nas relação homoafetivas. Outrossim, não se pode olvidar que mesmos os casais homossexuais poderão, eventualmente, experimentar a paternidade, através de produção assistida e da adoção, conforme vem reconhecendo a jurisprudência mais recente. A outro giro, também não se pode reconhecer a caracterização de família à decorrência de prole, uma vez que o planejamento familiar é opção do casal, não se descaracterizando uma família somente pela inexistência de filhos.
De fato, não se pode fechar os olhos para a existência de entidades homoafetivas, pessoas ( eventualmente de um mesmo gênero sexual) que se unem ao derredor de objetivos comuns, que dedicam amor recíproco e almejam felicidade, como qualquer outro grupamento heteroafetivo, impondo-se tutelar, juridicamente, tais grupos familiares, não limitando a constituição das entidades convivenciais.” ( Direito de Família, 2ª Edição, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Lúmen Juris, páginas 450/451)
Nesse sentido, vale trazer à baila excerto do informativo 625 do Supremo Tribunal Federal sobre os supramencionados julgados, in verbis:
Relação homoafetiva e entidade familiar – 1
A norma constante do art. 1.723 do Código Civil – CC (“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”) não obsta que a união de pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida como entidade familiar apta a merecer proteção estatal. Essa a conclusão do Plenário ao julgar procedente pedido formulado em duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas, respectivamente, pelo Procurador-Geral da República e pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro. Preliminarmente, conheceu-se de argüição de preceito fundamental – ADPF, proposta pelo segundo requerente, como ação direta, tendo em vista a convergência de objetos entre ambas as ações, de forma que as postulações deduzidas naquela estariam inseridas nesta, a qual possui regime jurídico mais amplo. Ademais, na ADPF existiria pleito subsidiário nesse sentido. Em seguida, declarou-se o prejuízo de pretensão originariamente formulada na ADPF consistente no uso da técnica da interpretação conforme a Constituição relativamente aos artigos 19, II e V, e 33 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da aludida unidade federativa (Decreto-lei 220/75). Consignou-se que, desde 2007, a legislação fluminense (Lei 5.034/2007, art. 1º) conferira aos companheiros homoafetivos o reconhecimento jurídico de sua união. Rejeitaram-se, ainda, as preliminares suscitadas. ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-4277)Parte 1 Parte 2 Parte 3 Parte 4 ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132)
Relação homoafetiva e entidade familiar – 2
No mérito, prevaleceu o voto proferido pelo Min. Ayres Britto, relator, que dava interpretação conforme a Constituição ao art. 1.723 do CC para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. Asseverou que esse reconhecimento deveria ser feito segundo as mesmas regras e com idênticas conseqüências da união estável heteroafetiva. De início, enfatizou que a Constituição proibiria, de modo expresso, o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre a mulher e o homem. Além disso, apontou que fatores acidentais ou fortuitos, a exemplo da origem social, idade, cor da pele e outros, não se caracterizariam como causas de merecimento ou de desmerecimento intrínseco de quem quer que fosse. Assim, observou que isso também ocorreria quanto à possibilidade da concreta utilização da sexualidade. Afirmou, nessa perspectiva, haver um direito constitucional líquido e certo à isonomia entre homem e mulher: a) de não sofrer discriminação pelo fato em si da contraposta conformação anátomo-fisiológica; b) de fazer ou deixar de fazer uso da respectiva sexualidade; e c) de, nas situações de uso emparceirado da sexualidade, fazê-lo com pessoas adultas do mesmo sexo, ou não. ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-4277)Parte 1 Parte 2 Parte 3 Parte 4 ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132)
Dessa feita, a Suprema Corte determinou que devem ser aplicadas às uniões homoafetivas as prescrições legais relativas às uniões estáveis heterossexuais, exceto aquelas que exijam a diversidade de sexo para o seu exercício, enquanto não há manifestação do Poder Judiciário.
Por via de conseqüência, as Varas de Família são competentes para julgar ação de reconhecimento de união e dissolução de união estável entre pessoas do mesmo sexo
Ante o exposto, dou provimento ao recurso para determinar ao Juízo da Primeira Vara de Família Órfãos e Sucessões da Circunscrição Judiciária de Planaltina- Distrito Federal como competente para julgar e processar o presente feito.
É como voto.
O Senhor Desembargador JAIR SOARES – Vogal
Senhora Presidente, acompanho a eminente Relatora, ressalvando para melhor examinar o tema quando me tocar caso semelhante como relator. .
A Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI – Vogal
Peço vênia à eminente Relatora, para negar provimento..
D E C I S Ã O
CONHECIDO. DEU-SE PROVIMENTO, POR MAIORIA.